21 de julho de 2020
A Associação Nacional de Pós-Graduandos vem a público externar algumas preocupações acerca do edital nº 25/2020 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que dispõe sobre a concessão de bolsas de mestrado e doutorado nesse semestre e pedir a imediata suspensão do edital.
Em primeiro lugar, é preciso destacar que o CNPq desempenha um importante papel no fomento à pesquisa e para a pós-graduação brasileira. As bolsas de estudos, sejam vinculadas a projetos ou cotas por programa, são instrumentos para o fomento à pesquisa no país. Embora não tenhamos dados atuais, nossa última informação é que em 2018 a agência concedeu cerca de 16.927 bolsas de estudos, sendo 8.343 para mestrado e 8.084 para doutorado, perfazendo quase 20% das bolsas concedidas pelas agências nacionais.
Em segundo, compreendemos as motivações que levam à reformulação da forma de concessão das bolsas do CNPq. É preciso, de fato, delimitar as funções da agência para que não sejam confundidas com outras, pois essa confusão tem permitido ataques e evidenciado projetos retrógrados que visam, inclusive, como já especulado, a sua extinção. No entanto, qualquer proposta de mudança precisa ser amplamente dialogada com a comunidade acadêmica, sindicatos e movimentos sociais, para que se encontrem os melhores caminhos para a atualização do seu projeto institucional, de acordo com as necessidades de desenvolvimento da pesquisa e do povo brasileiro. Além disso, qualquer medida nesse sentido precisa partir da premissa de não fazer nenhum corte de bolsas de pós-graduação. E, ao que nos parece, esse edital pode levar a uma diminuição no número de bolsas ofertadas, especialmente para programas de pós-graduação recentes ou ainda menos consolidados.
Não obstante, apontamos, a seguir, algumas lacunas importantes no edital, que, se não forem superadas, podem aprofundar as históricas desigualdades na produção científica do país e ampliar o clima de incerteza que toma os pesquisadores brasileiros.
O primeiro problema que o edital traz é a não divulgação da previsão da quantidade de bolsas que serão concedidas. É preciso a divulgação desse percentual, assim como, a atual distribuição de bolsas concedidas pelo CNPq;
A principal mudança do edital é a forma de concessão de bolsas, alterando bolsas por cotas para bolsas concedidas a projetos de pesquisa, com o coordenador do programa submetendo até dois projetos generalistas, os quais precisam descrever as linhas de atuação, sendo um para bolsas de mestrado e outro para bolsas de doutorado. Fase que irá ocorrer antes mesmo do início da temporada de seleção de novos alunos pelos ppgs brasileiros.
Um problema grave aqui é que se exclui o futuro bolsista da elaboração do projeto, especialmente quando um dos objetivos do edital é a capacitação de capital intelectual para produção científica. Oras, a formulação da proposta é justamente uma das etapas da produção científica. E é preciso fomentar o desenvolvimento de pesquisadores capazes de cumprir essa etapa fundamental. Outro problema reside na necessidade de priorizar algumas ou uma única linha de pesquisa do programa, em um mundo que está cada vez mais valorizando o conhecimento multi e interdisciplinar.
Uma sugestão é modificação para que cada programa possa submeter projetos elaborados pelos orientadores e futuros alunos, os quais poderiam concorrer entre o atual percentual de cotas de bolsas do ppg.
Outra mudança significativa – e que gerará problemas – são as exigências colocadas pelos itens 3.2.2 e 10.7, os quais versam sobre o proponente do projeto: o coordenador do programa. Esses itens trazem que se o coordenador estiver inadimplente com o CNPq, Receita Federal ou Sistema Integrado de Administração Financeira do Governo Federal – SIAFI, a proposta será indeferida. Ou seja, as exigências poderão penalizar o programa de pós-graduação por atos passados restritos à pessoa física do coordenador.
Além da retirada dessas exigências, é preciso que os projetos possam ser submetidos pelos orientadores junto com seus alunos, como já supracitado. Esses orientadores, em sua grande maioria, possuem cadastro como pesquisadores nas plataformas vinculadas ao CNPq e, assim, podem ser vinculados a alguma aba referente ao programa de pós-graduação.
Questão adicional refere-se à taxa para manutenção das bolsas, colocadas pelo item 5.4, especialmente quando se diz “caso, da aplicação do percentual de manutenção de que trata o subitem 5.4, resulte um número fracionário, o resultado será arredondado para o número inteiro imediatamente inferior.” Em outros termos, a taxa e os termos colocados permitirão a perda de bolsas, por exemplo, para aqueles ppgs que possuem um único benefício a ser gestado pelo novo modelo.
Outro item problemático é o 7.1, que trata justamente sobre os critérios técnicos para aprovação do projeto. Segundo o edital, a aprovação dos projetos será dada por média ponderada entre itens de avaliação do PPG, como ambiente de excelência em pesquisa, e mérito do projeto, sendo peso 4 para o primeiro e 6 para o segundo, distribuindo em alguns itens. Entretanto, esses conjuntos de critérios podem aprofundar as desigualdades no fomento à ciência já existentes e consolidar as ilhas de excelência de pesquisa no Brasil. Vejamos.
Avaliação do PPG como ambiente de excelência em pesquisa: esse conjunto de critérios, que inclui desde a caracterização do PPG à quantidade de pesquisadores e produtividade, tenderá a aprofundar ainda mais as desigualdades entre os programas e as regiões do país, pois, pelos critérios descritos, programas mais consolidados e com conceitos maiores tenderão a reter mais bolsas, enquanto os novos perderão suas poucas cotas já disponíveis, ainda mais com peso 4 para esse critério.
Ou seja, o edital não traz a aprovação a partir, e apenas, do mérito do projeto de pesquisa e seu impacto social, mas sim pela estrutura já consolidada do programa de pós-graduação, beneficiando instituições mais antigas e consolidadas, como as do centro-sul do país. Além disso, pode aprofundar desigualdades entre as áreas de conhecimento, pois ainda há diferenças significativas na produtividade em termos quantitativos e temporais que refletem hoje o conceito dos programas entre as grandes áreas de conhecimento. A saber: hoje, as humanidades compreendem metade dos cursos nível 7 que as ciências da vida e exatas sozinhas, segundo dados da CAPES.
Avaliação do Projeto de Pesquisa Apresentado: já esses, que permitiriam avaliar o mérito do projeto, enviesam os resultados para projetos de áreas tecnológicas e ciências aplicadas e já com financiamento, como colocado pelos itens BII e BIII, os quais permitirão pontuar aqueles ppgs que tiverem:
BII- Atuação em redes de pesquisa nacionais e/ou internacionais; parcerias e acordos com empresas e participação em redes tecnológicas e/ou existência de incubadoras de base tecnológica;
BIII- financiamentos vigentes com agências oficiais de fomento, organismos internacionais e instituições privadas (projetos e financiadores).
Ou seja, esses itens permitirão um melhor resultado para projetos de áreas das ciências da vida, engenharia e das ciências aplicadas, em detrimento das humanidades e ciências básicas, especialmente porque essas primeiras são as que mantêm contato com o capital privado nacional e internacional. Além disso, privilegiam projetos e grupos de pesquisas que já têm financiamento e suporte financeiro, em detrimento de projetos que estão sem financiamento, em um contexto de corte orçamentário das agências nacionais e estaduais de fomento à pesquisa. O resultado é a concentração de investimento nos programas captadores de recursos privados, independente da referência social da pesquisa, o que pode deixar à mingua pesquisas de interesse popular e de ciências básicas que não atendem aos interesses privados e à acumulação de capital. Vale ainda dizer que, entre as 20 principais corporações que colaboram com a produção científica brasileira, somente uma é nacional, a Petrobrás, segundo relatório da Clarivate Analytics.
Sem contar que, como se pode quantificar a pontuação para um financiamento de um projeto de 0 a 10? A partir de que critérios? Cada mil reais um ponto de financiamento? E projetos que necessitem, justamente, apenas da bolsa para serem desenvolvidos, como ficarão?
A partir do item 10.5, que se refere à transferência da bolsa para novos alunos, o edital já induz a não possibilidade da mudança da bolsa entre alunos. Esse fator, no atual cenário pós-graduação, com declínio na oferta de bolsas de estudos, pode ser prejudicial para programas que adotam como dinâmica a divisão temporal desse benefício para que mais discentes possam ter acesso. Outro ponto é que não prevê a possibilidade de paralisação de bolsa para alunos que consigam estágio no exterior para mestrado ou doutorado sanduíche, por exemplo. O que vai acontecer com a bolsa? O programa perderá e o aluno não conseguirá reativar quando voltar ao Brasil?
Nesse sentido, como demonstrado pelas preocupações supracitadas, temos mais dúvidas do que certezas acerca do edital. Portanto, além solicitarmos maiores esclarecimentos sobre a chamada, pedimos a suspensão e cancelamento do mesmo, com concessão das bolsas desse semestre pelos os critérios anteriormente adotados, ou seja, manutenção das cotas atuais. Assim, podemos ter mais tempo para o debate amplo com os membros da comunidade acadêmica e científica sobre um futuro modelo de distribuição de bolsas de pós-graduação, a partir da concessão ao projeto.
Associação Nacional de Pós-Graduandos.