ANPG lança dossiê Florestan Fernandes, panorama da pós-graduação e o mundo do trabalho no Brasil

Nesta tarde de segunda-feira (24), no Centro de Ciências Biológicas da Universidade Federal do Paraná, aconteceu a abertura do 18º Encontro Nacional de Jovens Cientistas da ANPG. Na ocasião, em ato que superlotou o auditório, foi lançado publicamente o “Dossiê Florestan Fernandes”, documento que traça um amplo panorama sobre a condição dos pós-graduandos na formação e no mercado de trabalho no Brasil.

As pesquisadoras do Centro de Estudos e Memória da Juventude (CEMJ) que compuseram o grupo de trabalho que construiu o dossiê, explicaram o método e os objetivos do estudo. Elisângela Lizardo, doutora em Educação, manifestou que o dossiê visa caracterizar e sistematizar a condição híbrida dos pós-graduandos, que é um profissional formado que estende seu período de formação para obtenção da titulação.

Luana Bonone, doutora em comunicação, disse que o dossiê apresenta uma formulação que diferencia o pesquisador por consequência e pesquisador por excelência. “O pós-graduando é um pesquisador por consequência, já que ele precisa desempenhar o trabalho de pesquisa para dar consequência à sua formação e titulação, enquanto o pesquisador sênior, que o faz por excelência, tem a pesquisa como atividade laboral plena”, caracterizou.

Entre as diversas consequências para o pós-graduando está a ausência de seguridade social. Luana levantou que existem exemplos que poderiam ser observados para buscar um caminho para inserir os pós-graduandos, como ocorre no caso dos médicos-residentes, que têm uma alíquota especial de contribuição previdenciária, ou os militares, que já têm seu tempo contato desde a escola militar.

Cristiane Fayrbanks, doutora em Educação, apresentou informações sobre a situação de pós-graduandos em outros países do mundo. Ainda que sejam realidades díspares, há uma defasagem do Brasil quanto à remuneração dos pós-graduandos. “Na Alemanha, por exemplo, o pesquisador é contratado pela universidade e possui um salário vinculado ao salário nacional. Na França, o mestrado é comparável a uma especialização, mas no caso do doutorado também há contrato e vinculação de reajuste de valores”, apontou.
Segundo Fayrbanks, há 11 projetos de lei em tramitação relativos a direitos dos pós-graduandos no Congresso, sendo o mais antigo deles de 1989, de autoria de Florestan Fernandes. Desde essa época, os principais direitos buscados são critérios para uma política de reajuste permanente, acesso a direitos previdenciários e políticas de assistência estudantil.

Dan Olorruama, apresentou o retrato da amostra que compôs a pesquisa, sendo um questionário com 29 perguntas aplicado para um público de 65% composto por mulheres, 58% de pessoas brancas e 42% que não são, com predominância de pessoas da região sudeste. Dan ressaltou que, sendo uma pesquisa de adesão voluntária, a amostra se aproximou do retrato que se conhece empiricamente da pós-graduação.

As necessidades detectadas no dossiê Florestan Fernandes precisam embasar políticas públicas que criem uma cesta de direitos aos pós-graduandos, com valorização da atividade de pesquisa, através de política de reajuste permanente do valor da bolsa, taxa de bancada e auxílio tese; seguridade social com garantia de acesso à previdência, atendimento à saúde, cuidados com a saúde mental, licença-saúde remunerada e direitos de parentalidade; e Assistência Estudantil, com iniciativas que garantam a permanência e as políticas afirmativas.

Elisângela Lizardo finalizou a apresentação do dossiê relatando que a conquista dessa cesta de direitos não pode ser vista como gasto, mas sim como investimento em ciência e tecnologia, sem o que a ciência não será atrativa. “Há muitos mestres e doutores trabalhando como motoristas de aplicativo ou em outras atividades não ligadas à sua atividade de pesquisa. Isso está ligado ao aumento da evasão e ao aumento do desinteresse pela juventude ao mestrado e doutorado”, frisou a pesquisadora.

Autoridades recebem e repercutem o dossiê Florestan Fernandes

Após a apresentação dos fundamentos e conclusões da pesquisa, formou-se um ato político para dar início ao 18º Encontro Nacional de Jovens Cientistas e repercutir a apresentação do dossiê. Prestigiaram o evento na mesa dirigida por Vinícius Soares, presidente da ANPG, a professora Mercedes Bustamante, presidenta da Capes, Inácio Arruda, ex-senador e representante do MCTI, Ricardo Fonseca, reitor da UFPR e atual presidente da Andifes, professor Aldo Nelson, Secretário de C&T do Paraná, Yann Evanovick, representante do MEC, professor Francisco de Assis, representante da FOPROP, professora Maria Rita, pró-reitora de Assuntos Estudantis da UFPR, e Fábio Guedes, representante da Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento.

Primeiro a saudar o debate, o reitor Ricardo Fonseca fez referência a uma pesquisa feita pela Andifes sobre o perfil da universidade brasileira na qual se constatou que 70% dos estudantes de graduação têm renda familiar inferior a 1,5 salário-mínimo per capita. “As universidades federais brasileiras não são mais um lugar da elite. O povo entrou na universidade. Se isso ocorreu na graduação, obviamente ia acontecer na pós-graduação. Nós precisamos de políticas públicas que atinjam a pós-graduação. O PNAES precisa se abrir para a pós-graduação”, defendeu.

Mercedes Bustamante, presidenta da Capes, manifestou concordância com as pautas apresentadas e relatou que a agência tem buscado atender as demandas, mas que há entraves legais que precisam ser superados. “Sobre os direitos trabalhistas, temos a preocupação de criar uma solução que atinja a todos os estudantes de pós-graduação e não apenas os bolsistas. É preciso ter mais flexibilidade nos mecanismos de contratação de pesquisadores, porque o atual sistema de gerenciamento de recursos humanos não possibilita fazer muitas coisas. Mas a MP dos direitos de parentalidade também já está pronta para ser enviada ao Congresso”, se comprometeu.

Inácio Arruda, do MCTI, lembrou as grandes dificuldades políticas enfrentadas na época da aprovação do REUNI, que ampliou as vagas nas universidades federais, para incentivar que a ANPG amplie a mobilização para conquistar direitos. “Vencemos essa etapa porque teve decisão política para convencer as direções das universidades e até uma parcela dos estudantes. Foi uma grande vitória! Nós ampliamos e levamos a população pobre para dentro das universidades”.

Representando o MEC, Yann Evanovick falou que é preciso que o movimento estudantil tenha liberdade para pressionar o governo por suas pautas, mas que também possa celebrar as conquistas já obtidas e lembrou a mudança de postura do Executivo frentes às demandas sociais. “Foram quatro anos de retrocessos. Quatro anos sem que o Ministério da Educação recebesse os estudantes. Agora, o presidente Lula e o ministro Camilo já disseram: aqui no MEC, estudante entra pela porta da frente”.

Finalizando o ato, Vinicius Soares apontou como momento histórico o ato de apresentação do Dossiê Florestan Fernandes e que, apesar das grandes defasagens acumuladas, já existem conquistas importantes desse novo ciclo. “Já conseguimos avançar muito! A mudança de regulamento sobre a necessidade de residência na cidade do curso foi uma conquista. A portaria que flexibiliza a exclusividade de vínculo dos pós-graduandos foi outra grande vitória, porque permite o acúmulo de bolsas com as de assistência estudantil e regulariza a situação de muitos pesquisadores que já trabalham e estavam em insegurança jurídica”, celebrou.