Modificar a estrutura produtiva do país para ter mais e melhores oportunidades

O segundo dia de debates do 45º CONAP teve início, na manhã deste sábado (18), com a mesa de debates sobre a absorção de recursos de alto nível, a formação e a empregabilidade dos pós-graduandos, um dos maiores desafios para os jovens cientistas atualmente. Mediada pela vice-presidente Ana Priscila, a mesa teve como palestrantes o diretor científico do CNPq, Olival Freire, Diógenes Moura, doutor em desenvolvimento econômico pela Unicamp, e Aline Duarte Folle, do Núcleo de Vivências de ex-Bolsistas Brasileiros no Exterior.

Segundo Diógenes, que iniciou sua contribuição dizendo-se estar na condição de um doutor precarizado, quando se fala na “fuga de cérebros” tem que se levar em conta os que saem do país para melhor desenvolverem suas pesquisas, mas também sobre a grande maioria que fica no país e não encontra espaço para atuar. “Precisamos falar dos que vão e dos que ficam, porque, nos dois casos, estamos falando de um grande desperdício de recursos do Estado”, afirmou.

Para ilustrar o tamanho do problema da empregabilidade, o pesquisador apresentou uma pesquisa feita com doutores brasileiros nos EUA. Quando perguntados se pensavam em permanecer ou voltar, cerca de 73% dizem que querem ficar, segundo Diógenes, porque o Brasil carece de uma política nacional de fixação. “Segundo dados do CGE, a taxa de desempregos de doutores no Brasil pode chegar a 25%, quando a média mundial é de 2%”.

De acordo com Diógenes Moura, não há como se pensar na absorção da mão de obra altamente especializada sem modificar a própria estrutura produtiva do país. “É impossível pensar que os 20 mil doutores formados anualmente no Brasil vão todos ingressar na universidade. É preciso um parque tecnológico industrial brasileiro, tema que nós temos que discutir para falar sobre a retenção. Não há exemplo na história de um país que deu salto tecnológico exportando produtos primários. Não é possível pensar o avanço da C&T sem enfrentar a estrutura dependente em que o Brasil está assentado” apontou.

O professor Olival Freire relatou os casos de desqualificação e perseguição da ciência no Brasil em momentos recentes, relembrando exemplos como o do reitor Luiz Carlos Cancellier, que cometeu suicídio após ter sido injustamente preso em operação ligada à Lava-Jato, e de Ricardo Galvão, então presidente do INPE, demitido após se negar a maquiar números sobre o desmatamento da Amazônia, para demonstrar o obscurantismo que o país enfrentou nesse período.

Olival fez um apanhado das medidas que o governo Lula tem procurado implementar para reconstruir as políticas públicas na área de ciência e tecnologia, considerando o descontingenciamento do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico como a mais importante para investir em projetos que auxiliem na fixação de doutores. “Tivemos 3 ou 4 meses de debate sobre a político de uso dos recursos do FNDCT. O plano de gastos para o próximo triênio conseguiu vencer os interesses mais localistas para focar em grandes temas”, afirmou, sendo que parte das verbas serão destinadas ao enfrentamento do tema.

O FNDCT terá 1,5 bilhão para a rubrica chamada Conhecimento Brasil, que serão disponibilizados através de editais para repatriar cientistas que estão no exterior. Haverá ainda programa, em fluxo contínuo, para reparação emergencial de equipamentos para pesquisa, além de lançamento de editais para fixação de pós-doutores e pesquisadores visitantes.

Contudo, mesmo com tais políticas, o diretor do CNPq faz coro com a necessidade de uma retomada da industrialização como o caminho de médio e longo prazos para a absorção de mão de obra qualificada. “O Brasil gasta 1,2% do PIB em C&T, sendo 0,6% público e 0,6% privado. Mas o 0,6% privado está condensado em algumas empresas [como a Petrobrás, que é uma sociedade de economia mista, de capital aberto, que que tem a União como principal acionista] e não espraiado na sociedade, o que nos traz o problema da empregabilidade. Só teremos condições de empregar 20 mil doutores ao ano se mudar a estrutura produtiva do país”, finalizou.

Aline Duarte Foli, do Núcleo de Vivências de ex-Bolsistas Brasileiros no Exterior, relatou um pouco dos percalços vividos pelos pesquisadores radicados no exterior. O grupo, formado por ex-bolsistas do Ciência sem Fronteiras, tem se reunido para debater formas de colaboração e internacionalização da ciência.

Segundo ela, a atração de mestres e doutores em países desenvolvidos se deve a motivos estruturais, inclusive direitos trabalhistas e previdenciários. “Há uma disparidade muito grande entre a empresa nos EUA e sua filial no Brasil. Aqui, eles só querem vender. Lá, há até carreira de pesquisador”, disse.

Aline criticou a forma como os governos anteriores agiram ao desmobilizar o Ciência Sem Fronteiras, com exigências que trouxeram dívidas impagáveis aos pesquisadores. “As agências, ao invés de acompanharem a situação e darem suporte aos bolsistas, criaram quase que uma perseguição, punição, a esses ex-bolsistas, como se fossem culpados pelo fenômeno social da fuga de cérebros”.

Por fim, ela sugeriu mecanismos para que o Brasil possa absorver as contribuições desses bolsistas, que, afinal, obtiveram investimentos públicos para suas formações, sem necessariamente serem obrigados a voltar ao Brasil, como a reformulação da Política de Novação para aproveitamento do potencial do ex-bolsista no exterior e o suporte para que ex-bolsistas no exterior contribuam para educação e CT&I brasileiras e sem necessidade de retorno físico.