Movimentos pressionam pela recomposição orçamentária para evitar apagão do conhecimento

A Lei Orçamentária Anual (LOA), que em tese deveria ter sido aprovada ainda em 2020, chega a março de 2021 envolta em muitas indefinições. A nova previsão da Comissão Mista de Orçamento, que envolve parlamentares da Câmara e do Senado, é que a votação aconteça até o fim do mês, mas o relatório de receitas estimadas para o ano só deve ser apresentado na quinta-feira (04/03).

O que há de concreto, por ora, é a proposta do governo, motivo de grandes preocupações, especialmente para as áreas de Ciência e Tecnologia e Educação, alvos preferenciais de cortes e contingenciamentos no atual governo. A proposta encaminhada ao Congresso apresenta uma queda drástica nos investimentos públicos, projetados para pouco mais de R$ 25 bilhões – em termos comparativos, os investimentos em 2014 foram de R$ 75 bilhões.

Se aprovada a proposta do governo, o Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação corre sério risco de colapsar e não conseguir cumprir seus compromissos mínimos. A previsão de recursos discricionários para a pasta é de apenas R$ 2,7 bilhões, com cortes em relação ao exercício de 2020, quando já existiram grande dificuldades para a manutenção dos trabalhos.

O CNPq é umas das instituições mais atingidas pela política de desmonte. A destinação do governo é de R$ 22 milhões para a rubrica de fomento à pesquisa, dinheiro utilizado para a compra de insumos, equipamentos, manutenção de laboratórios, entre outras coisas.

Roberto Muniz, dirigente do Sindicato do SindGCT, caracteriza o orçamento do MCTI para 2021 como uma “tragédia anunciada”. “Há cortes nos valores em relação ao ano passado, que já foi um ano muito ruim, em que as atividades de ciência e tecnologia já tiveram dificuldades. Cortar em relação ao ano passado já é péssimo e, para se ter ideia, para o MCTI haverá uma queda de 17,43%”, afirma.

Segundo Muniz, há um problema adicional, que é o método utilizado para construir o orçamento, que se ancora em autorizações futuras. “48,82% de todos os recursos previstos para o MCTI, quase metade, está condicionado a aprovação de créditos suplementares, Ou seja, se aprovado o orçamento, o recurso que o MCTI de fato tem garantido para trabalhar é 50%”.

No caso das bolsas oferecidas pelo CNPq, se aprovada a proposta do governo, só haverá recursos garantidos para o pagamento dos primeiros quatro meses do ano. “60% dos créditos para bolsas estão colocados de forma condicionada.(…) Quando chegar em abril, se o Congresso não votar créditos suplementares, nós não teremos dinheiro para pagar bolsas”.

Não é diferente a realidade do Ministério da Educação, desde os dispêndios com a educação básica até as universidades e a Capes, agência vinculada à pasta. O exemplo mais eloquente é o dos repasses da União para o Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), que tem R$ 14,4 bilhões de um total de R$ 19,6 bilhões – 74% do total – condicionados à aprovação de créditos suplementares pelo Congresso.

No comparativo histórico, a desitratação financeira também afeta em cheio a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), cujos investimentos caíram de R$ 7,7 bilhões em 2015 para R$ 2,9 bi em 2021, o que tem impacto em progressiva diminuição do número de bolsas de estudos oferecidas.

Pressão pela recomposição de recursos

A reação dos meios acadêmicos e da sociedade civil ao processo de desestruturação da Educação e da Ciência, Tecnologia e Inovação tem crescido e procurado criar o ambiente para alterações na PLOA 2021 no Congresso Nacional.

Em evento realizado com apoio da SBPC, ABC, Andifes e diversas entidades, onze ex-ministros de C&T lançaram um manifesto pedindo a recomposição de recursos para a pasta. “A impressionante resposta, rápida e efetiva, dos sistemas nacionais de pesquisa e inovação aos desafios da Pandemia causada pelo vírus SARS-CoV-2 – não apenas no desenvolvimento e produção de vacinas, mas na oferta de novas tecnologias digitais – evidenciou a relevância de fortalecer a CT&I como um dos eixos da retomada do crescimento econômico, com sustentabilidade ambiental e equidade social, no mundo e no Brasil”, aponta o documento, lançado na última terça-feira (02/03).

A ANPG, a UNE e o Observatório do Conhecimento lançaram a campanha Educação Tem Valor, um abaixo-assinado eletrônico contra os cortes orçamentários para as áreas de produção do saber. A iniciativa tem quatro eixos fundamentais: recomposição do orçamento, fim da condição dos de universidades e órgãos de pesquisa à aprovação de créditos suplementares, a derrubada dos vetos ao FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e o respeito à autonomia universitária.

Para Flávia Calé, presidenta da entidade dos pós-graduandos, os desafios são “impedir os cortes na Educação e na Ciência e Tecnologia, além de derrubar os vetos de Bolsonaro à liberação do FNDCT, para impedir o apagão do setor”.

Os estudantes também pautaram a jornada de lutas do mês de março com a agenda da recomposição de recursos para os ministérios. Em nota da diretoria executiva, a ANPG conclamou pós-graduandosme pós-graduandas, representantes discentes, associações de pós-graduandos e os demais estudantes, professores, cientistas e toda a sociedade civil, a construírem uma jornada de lutas em defesa da vida e do orçamento do conhecimento durante o mês de março.

Fernando Borgonovi