Contudo, a ampliação é toda baseada em bolsas na modalidade empréstimo, havendo um acréscimo no sistema de 12.118 benefícios nessa condição, que não serão devolvidas aos programas obrigatoriamente ao fim de sua utilização. Ou seja, pode-se dizer que um dos efeitos imediatos da Portaria 34 foi deslocamento de bolsas vinculadas aos programas (cotas por programas) para a modalidade empréstimo, sem o que teria acontecido um corte expressivo.
Na atual configuração de distribuição, as bolsas empréstimos já respondem por cerca de 15% do total de benefícios concedidos, sendo 4.630 na área de ciências da vida, 3.750 na área de exatas e tecnologia e 3.738 entre aquelas disponibilizadas para as ciências humanas. A Capes alega que as bolsas empréstimos serão mantidas no sistema, mas há apreensão na comunidade acadêmica devido à postura de confronto e desmonte de políticas que o MEC tem adotado desde o início do governo Bolsonaro, especialmente durante os 14 meses em que Abraham Weintraub foi o titular da pasta.
Para a presidenta da ANPG, Flávia Calé, monitorar e cobrar a manutenção dessas bolsas passa a ser uma prioridade para os pós-graduandos. “As cerca de 12 mil bolsas que estão na cota empréstimo são a grande preocupação. O acompanhamento da alocação delas é fundamental para que não haja desfalque na oferta de bolsas e mais desequilíbrios no sistema”, aponta.
A mesma questão aflige os pós-graduandos das Humanidades. Ao estipular o incremento das bolsas nos programas 6 e 7, em detrimento dos programas de conceitos 3, 4 e 5, a Portaria 34 aponta para uma sangria nas ciências humanas, já que 87% de seus cursos estão concentrados nos níveis que serão afetados (Tabela 1). Graças as bolsas da cota empréstimo, os cortes não ocorreram neste primeiro momento em relação à Capes, mas o governo tem testado formas de reduzir a oferta para essa área do conhecimento.
Uma das iniciativas nesse sentido veio através da Portaria 1.122, editada pelo Ministério de Ciência e Tecnologia, que retirou as ciências humanas dos eixos prioritários para os projetos de pesquisas a serem financiados entre 2020 e 2023. Editada em 19 de março, a repercussão foi tão negativa que o MCTIC reformou a portaria incluindo a área entre as prioridades.
Ainda assim, o CNPq chegou a anunciar um novo edital de bolsas de Iniciação Científica baseado nos critérios estabelecidos na Portaria 1.122, o que deu ensejo a uma carta aberta assinada por três conselheiros da agência. “A pré-chamada materializa as diretrizes da Portaria e, assim, reforça as dicotomias e exclusões estabelecidas na agenda do MCTIC. Considerando a gravidade do fato, que exige o empenho do Presidente e Diretores do CNPq em restabelecer a ordem institucional, solicitamos que essa decisão seja revista”, protestaram Maria Ataide Malcher, Regina Pekelmann Markus e Fernando Galembeck, representantes da comunidade científica no Conselho Deliberativo.
Quanto às bolsas da Capes, a Associação Nacional de Pós-Graduandos continua atuando pela revogação da Portaria 34 e para impedir que o novo modelo traga prejuízos aos estudantes. “A Portaria 34 acabou gerando impasse para a pós-graduação quando tentou acelerar um modelo de distribuição que deveria ter sido mais testado antes de sua implementação”, diz Flávia Calé.
Redução de áreas do conhecimento enfrenta resistência na academia
Também é vista com apreensão pela comunidade acadêmica a intenção manifestada pela Capes de “reduzir substantivamente” as áreas de avaliação existentes na pós-graduação, enquadrando as 49 atuais em nove grandes áreas do conhecimento. No último dia 16 de junho, o presidente da agência, Benedito Guimarães Aguiar, criou uma comissão especial com esse objetivo.
Os estudantes discordam da premissa por considerarem que a criação dessas 49 áreas partiu de um processo de debates históricos sobre as áreas do conhecimento e as particularidades de cada uma delas. “Um grande entrave para o desenvolvimento científico e que precisamos superar para melhorar nossa produção científica é avançar no reconhecimento e na importância das áreas transdisciplinares e isso não se resolve reduzindo as áreas [do conhecimento], mas possibilitando maior liberdade para o trânsito entre elas”, diz Flávia Calé.